Forró desordeiro: para além da bipolarização 'pé de serra versus eletrônico' – Amplificar

Forró desordeiro: para além da bipolarização 'pé de serra versus eletrônico'

Resumo

O mercado atual do forró no Nordeste (e um pouco além dele) encontra-se marcado por uma aguda polarização: forró pé de serra versus forró eletrônico. O objetivo deste trabalho é problematizar tal polarização e verificar a corrente diversidade do forró que essa oposição mascara. A música popular midiática que atualmente chamamos de forró surgiu na década de 1940, quando recebeu o apelido metonímico de baião. No decurso da sua existência, o forró vem se transformando alcançando uma extraordinária multiplicidade. No início dos anos 1990, no Estado do Ceará, surgem as bandas-empresas que, conectadas com os grandiosos espetáculos da música pop transnacional e sob uma ostensiva massificação, varrem o Nordeste e reverberam em outras regiões brasileiras. A proliferação das referidas bandas faz emergir diversas categorias classificatórias e provoca várias reações entre os agentes historicamente ligados ao forró. De um lado, ganha relevo a expressão “forró pé de serra” (ou “tradicional”), com a qual alguns agentes vinculados a Luíz Gonzaga passam a articular outros descontentes e a constituir um movimento contrário às bandas de forró. Como designativo das bandas do lado oposto, surge o termo “forró eletrônico” (ou “estilizado”). Os agentes transformaram as duas categorias antagônicas em correntes discursivas que provocaram uma crescente bipolarização do debate: O “forró eletrônico”, aferido pelos seus empreendedores corno “moderno, atual, jovem”, taxando a música dos opositores de “antiga, atrasada, forró da fome, da pobreza”, etc.; o “forró pé de serra”, associado a um Nordeste tradicional é defendido como o “autêntico forró” pelos seus agentes, que rotulam a música dos opositores de “falsa, inautêntica, forró de plástico”. Tal oposição discursiva - ancorada em diferentes práticas e identificações - vem envolvendo um número crescente de artistas, músicos, públicos, simpatizantes, jornalistas e outros intelectuais que acabaram por assumir posição em uma das duas trincheiras. Até mesmo alguns intelectuais acadêmicos que produziram trabalhos analíticos, quando não aderiram a um dos lados, passaram a naturalizar a referida oposição, visualizando a priori um gênero musical bipolar no qual estariam enquadradas todas as práticas do forró, minimizando a diversidade desse fluxo musical. Entretanto, esta tese pretende lançar nova luz sobre o forró e desvelar múltiplas práticas desenvolvidas por músicos que atuam nas fronteiras desse fluxo musical, mas não se enquadram nos rótulos “pé de serra” ou “eletrônico”. Os músicos de fronteira misturam sons e transgridem convenções, negociam critérios e impulsionam a diversidade musical. Esteado em preceitos de etnomusicologia, de ciências sociais e em trabalho de campo etnográfico, este estudo investiga e analisa diversas práticas importantes, sobretudo, na cidade do Recife (capital do Estado de Pernambuco, Nordeste do Brasil), verificando no forró uma multiplicidade e uma complexidade que extrapolam o enquadramento bipolar e têm escapado ao olhar dualista.

The current forró market in Northeast Brazil (and a little bit further) is featured by an acute polarization: forró pé de serra vs. forró eletrônico (electronic forró). This paper aims to question such polarization and analyze the present diversity of forró hidden by such opposition. The popular media music currently called forró came into being in the l940's, when the metonymical nickname of baião came into use. During its existence, forró has reached an amazing multiplicity. ln the early 1990's, in the state of Ceará, “company-bands” (professional bands) were created and these, connected with mega shows of transnational pop music and under extensive massification, swept the Northeast region and reverberated on other Brazilian regions. The proliferation of such bands cause the appearance of various classification categories and reactions among agents who were historically related to forró. From one side, the expression “forró pé de serra” (meaning “traditional” forró) starts gaining importance and some of its agents related to Luiz Gonzaga then join other discontent people and create an opposing movement to the forró bands. The term “forró eletrônico” (or stylized forró) is created in order to designate the bands from the opposite side. The agents transformed both antagonic categories into discursive currents that caused a growing bipolarization of the debate: “forró eletrônico”, defined by its advocates as “modern, trendy, fresh”, calling the opposing style “old fashioned, antique, forró about hunger or poverty” etc.; “forró pé de serra”, associated to the traditional Northeast and called by its advocates the “authentic forró”, thus labeling the opposing style as “fake, phony, plastic forró”... Such discursive opposition - based on different practices and identifications - has involved a growing number of artists, musicians, audience, fans, journalists and other intelectuals who ended up taking one side or the other. Even some intelectuais who produced analytical papers and didn't take one side or the other started to consider such opposition natural, outlining a priori & bipolar music genre, where all practices offorró would lit, and minimizing the diversity of this musical flow. However, this dissertation aims to shed a new light on forró and unveil multiple practices developed by musicians who perform on the borders of this music flow, but do not fit the labels “pé de serra” or “eletrônico”. These borderline musicians mix sounds and infringe conventions, negociate criteria and boost musical diversity. This study, based on the precepts of ethnomusicology, social sciences and ethnographic field work, investigates and analyzes various relevant practices, specially in the city of Recife (capital city of the state of Pernambuco, Northeast Brazil), finding in forró some sort of multiplicity and complexity that go beyond the bipolar framing and escape the dualist outlook.

Le marché actuel du forro' au Nordeste (et un peu au-delà) est marqué par une polarité aiguë: le forró pé de serra contre le forró eletrônico. L’objectif de ce travail est d’analyser la problématique de cette polarité et de révéler la diversité actuelle du forro', masquée par cette opposition. La musique populaire médiatique que nous appelons actuellement forró surgit vers 1940, lorsqu’elle reçoit le surnom métonymique de baião. Au cours de son existence, le forró atteint une extraordinaire multiplicité. Au début des années 90, dans l’état du Ceará, surgissent les « groupes musicaux-entreprises » qui, connectés avec les spectacles grandioses de la musique pop transnationale et une ostensive massification, balaient le Nordeste et font école dans d’autres régions brésiliennes. La prolifération de ces groupes fait émerger plusieurs catégories classificatoires et provoque diverses réactions parmi les agents historiquement liés au forró. D’un côté, on observe un regain d’importance d’expressions telles que « forró pé de serra » (ou « traditionnel), avec lequel certains agents liés à Luiz Gonzaga commencent à articuler leur mécontentement et à constituer un mouvement contraire aux groupes de forró, de l’autre côté, le terme « forró eletrônico » (ou stylisé) voit le jour. Les agents transforment les deux catégories antagonistes en un courant discursif, qui provoque une bipolarité du débat : le « forrô eletrônico », désigné par ses entrepreneurs comme « moderne, actuel, jeune », traite la musique des opposants de « ancienne, rétrograde, ferré de la faim et de la pauvreté » etc.: le forró « pé de serra », associé à un Nordeste « traditionnel » est quant à lui défendu comme étant le « forró authentique » par ses agents, qui étiquettent la musique de ses opposants de « fausse, inauthentique, forró en plastique »... Une telle opposition discursive - ancrée dans diverses pratiques et identifications - réunit un nombre croissant d’artistes, musiciens, publics, sympathisants, journalistes et autres intellectuels, qui finissent par assumer leur position dans l’une des deux tranchées. Certains intellectuels vont même jusqu’à produire des travaux analytiques alors qu’ils n’ont adhéré à aucun des deux camps, et finissent par naturaliser l’opposition suscitée, observant a priori un genre musical bipolaire dans lequel on pourrait encadrer toutes les pratiques du forró, minimisant la diversité de ce flux musical. Toutefois, cette thèse prétend lancer une nouvelle lumière sur le forró en dévoiler une multitude de pratiques développées par des musiciens actifs, aux frontières de ce flux musical, mais qui ne s’encadrent pas dans les étiquettes « pé de serra » ou « eletrônico ». Les musiciens frontaliers mélangent les sons et transgressent les conventions, ils négocient les critères et donne une impulsion à cette diversité musicale. Partant des préceptes d’ethnomusicologie, de sciences sociales et basée sur un travail de terrain ethnographique, cette étude examine et analyse plusieurs pratiques importantes, notammant dans la ville de Recife (capitale de l’état du Pernambouc, Nordeste du Brésil), et vérifie la multiplicité et la complexité du forró, qui extrapolent l’encadrement bipolaire, en échappant au regard dualiste.

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